sábado, 30 de abril de 2011

Livro assim ou assado

(Isto é um comentário que não consegui fazer no devido lugar - o video da entrevista anteriormente postado -, por causa de complicações técnicas de identidade. Movida pela irritação, postei como "mensagem". Um simples pormenor de formato, não é? O que importa é que está aqui o que penso.)


Porquê conceber uma capa dura com um punhado de folhas lá dentro como um objecto sacro? Eu admiro a transportabilidade do livro, o facto de poder tirar notas e sublinhar no seu suporte de papel, o formato "organizadinho" do objecto em si. Mas não posso tirar o mérito aos livros em digital, que já tanto me auxiliaram em trabalhos académicos, por exemplo. Não há orçamento que aguente o desejo que um espírito tem de instrução, se este só encontrar realização na materialidade.
A música perdeu qualidade desde que passou a ser ouvida nos mp3? Então estou segura de que um livro não deixará morrer a literatura só porque esta se transportou para outro corpo. A alma, que são as palavras (difícil conclusão), mantém-se intacta e inabalável. No big deal.
No fundo, estamos aqui em mãos com a questão de Benjamin sobre a "Reprodutibilidade Técnica", a qual democratizou o acesso às obras de arte.
Isso é mau?

domingo, 24 de abril de 2011

Queixa das Almas Jovens Censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte



Natália Correia


(um poema para relembrar o Portugal que o Abril de 74 transformou)

terça-feira, 5 de abril de 2011

http://www.youtube.com/watch?v=apgc_wMQ4uM

Este audio é um bocadinho malcriado, por isso fica ao vosso critério. Mas é um exemplo de como a linguagem pode ir a sítios do "corpo-língua" que, por razões óbvias, o modelo dominante de 'texto literário' evita.

Podem confrontar com, entre outros: Luiz Pacheco, Mário Cesariny, António Aragão, Alberto Pimenta, Al Berto...

(Portuguese) Luiz Pacheco - O Libertino [3/6]

A fórmula de um livro

“Juntamos algo da nossa experiência vivida a algo que não conhecemos”, assim fala Rui Zink a propósito do seu livro Hotel Lusitano, numa breve entrevista à RTP2. Esta pode ser entendida como uma fórmula, a meu ver, que permite ao autor ir além de si sem sair de si, no acto da escrita; uma permanência do Eu que se combina com a sua própria imaginação, um “vá para fora cá dentro”, como já dizia o slogan publicitário...
A grande dificuldade daqueles que procuram escrever para um público numericamente maior que as três pessoas que têm sentadas no sofá da sala de estar, decerto terá a ver com questões de inibição relativamente a uma escrita que parece não ser capaz de ultrapassar o nível da telenovela que se confina às quatro paredes. No entanto, sugere-se-me que possa também estar relacionada com essa (in) capacidade de misturar, com esse receio de não se atingir o “ponto caramelo” da literatura invejável.
Alguns, e inumeráveis, serão os autores que pecaram pela separação do vivido e do imaginado, explorando separadamente cada um deles, não permitindo que um tempere o outro, e, desse modo, somos levados numa escrita que, ou é demasiado pessoal e apaixonada (que nos toca na pele até fazer ferida), ou demasiado ilusória e pouco tangível. Há uma relação proximidade/afastamento com o livro que precisa ser criada, e esta terá certamente a ver com o equilíbrio perfeito entre a verdade e a fantasia, entre aquilo que o autor sentiu e aquilo que a imaginação lhe ditou. É desta contaminação que parece viver a boa literatura, aquela que não nos arrancando impiamente à realidade, nos deleita nas suas possibilidades ínfimas e desconhecidas.
Inês Lourenço

segunda-feira, 4 de abril de 2011

domingo, 3 de abril de 2011